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terça-feira, 28 de setembro de 2010

"Entraste Na Minha Vida" - Tiago Rebelo

Mais uma "crónica" do Correio da Manhã, do qual gostei muito e decidi partilhar...

"Está sentada, sozinha, na esplanada de um miradouro a admirar Lisboa, sem nunca deixar de se espantar com aquela vista, com aquela cidade. Tem um copo de refresco na mão direita, a cabeça levemente inclinada, o cabelo castanho alourado caído em cima do ombro esquerdo. Os olhos, escondidos pelos óculos de sol, prendem-se ao casario, aos telhados, ás avenidas que descem até ao rio. Ao longe vê-se a ponte. Em cima da mesa está um livro esquecido que ela trouxe para ler, mas não chegou a abrir.
Sentado no muro baixo que delimita a calçada, ele observa-a encantado. Para lá dele está a cidade vista de cima. Quando os olhos dela se cruzam com os seus, ele sorri-lhe. Ela desvia o olhar, atrapalhada, mas logo depois torna a olhar, curiosa, e ele volta a sorrir-lhe. Ela baixa os olhos, mas também sorri. Ele aproxima-se da mesa com um copo de cerveja na mão e pergunta se se pode sentar com ela. não havia mesas livres, explica, mas isto aqui é tão agradável que fiquei na mesma. Ela diz está bem, sente-se.
Começam a conversar, apresentam-se, ele nota a aliança no dedo dela. Ela responde sim, estou casada, e acrescenta num desabafo, com o homem errado. Ele faz uma expressão compreensiva, com os lábios crispados, enquanto ela volta a cara, sentindo-se a corar, sem perceber o que lhe deu para dizer tal coisa. Eu também casei com a mulher errada, mas divorciei-me, confessa ele, levando-a a fitá-lo, mais á vontade. As horas passam e a conversa flui sobre os enganos das suas vidas, falam com uma surpreendente naturalidade, um entendimento perfeito. Estão muito próximos um do outro, ele segura a mão dela e já não se largam. É um momento mágico, a que ela não consegue resistir. Mas quando a noite desce anuncia-lhe que tem de se ir embora. E voltas?, pergunta ele. Não posso, sou casada. Com o homem errado, lembra-a.
Sim, reconhece, deixando escapar um suspiro. Pagam a conta, ele acompanha-a ao carro, estacionado no jardim fronteiro, ela abre a porta, volta-se para trás e murmura gostei muito de te conhecer. Hoje entraste na minha vida, diz ele. Tu também entraste na minha vida, pensa ela, sem o dizer. Ele prende-lhe carinhosamente uma madeixa de cabelo atrás da orelha, olham-se, ela diz tenho de ir, ele aproxima-se, beija-a, ela corresponde com paixão. Depois diz não posso fazer isto, desculpa, mete-se no carro precipitadamente, vai-se embora.
Ele ainda pensa nela, queria que ela voltasse. Ela só pensa nele, mas não sabe como voltar a encontrá-lo. Só teve coragem de regressar á esplanada quase um mês mais tarde, um dia depois de ele ter desistido de lá ir esperá-la todos os dias."

... E quando finalmente tomamos uma decisão, é sempre tarde demais.
Será que alguma vez ele soube?

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